Johnny Alf

JOHNNY ALF

Hoje, 19 de Maio de 2016, um dos maiores e mais geniais compositores, músicos e arranjadores brasileiros, Johnny Alf, completaria 87 anos de idade.

Nesse artigo, trago um pouco do que sei, ouvi e aprendi sobre a fabulosa trajetória de mais um gênio da América Latina. Este texto foi escrito por mim em 2014, e pude fazê-lo depois de algumas longas e agradáveis conversas com amigos músicos que tiveram a honra de conviver e compartilhar momentos inesquecíveis com ele. Além, claro de pesquisas pessoais, especialmente sobre os discos: “Rapaz De Bem” (1960) e “Nós” (1974), até o final dos anos 70’s.

A imagem delineada refletia o estigma quase maldito. Muitas vezes classificado como memético, exigente e, além disso, dedicado a um público específico (os frequentadores de boates), era explicável e hesitante a aceitação do grande público na época.
No entanto, céleres e insuspeitos circuitos nos subúrbios cariocas como Marechael Hermes, Campo Grande, Madureira,Vaz Lobo, entre outros, apontaram um gratificante reconhecimento à um dos repertórios mais bem elaborados da música brasileira.

Johnny Alf, um rapaz do bem
Atitude inflexível contrariava a simpatia e o bom humor constantes. Na realidade era uma decisão. Consequentemente, a gravação só seria feita com os arranjos de Celso Murilo. As conciliadoras explicações e alegações de que o músico escolhido não pertencia ao casting da gravadora pouco adiantaram. E assim foi concebido.

Logo, consistentes resultados mostraram o certo da escolha e o álbum Diagonal (1965) foi considerado um dos melhores discos do ano. Mas os sintomas de algo novo na música popular já se evidenciavam um pouco antes. Em 1961, um LP apresentava uma faixa de aspectos inusitados, onde o cantor substituía a letra por afinados solfejos intercalados por uma única frase “Que Vou Dizer Eu”.  Assim, as consequências antecederam os resultados do “Diagonal”.

Os fatos e as firmes situações, entretanto, não se restringiram a meros momentos de sua carreira musical. Obviamente um fã-clube. Lá, um animado grupo de jovens se reunia para tocar a analisar os últimos lançamentos musicais. Johnny Alf, Vitor Manga, Nora Ney, Billy Blanco e Paulo Moura, músicos amadores que eram dirigidos por Carlos Manga.

Fora de casa
Em 1947, com o sucesso da música norte-americana, surgia no Rio o “Sinatra-Farney”.
Nessa mesma época, Dick Farney voltava de uma gravação nos EUA e as reuniões, logicamente, mudaram de endereço. A Casa na Urca tornou-se, então, o centro das atenções. Um pianista, em especial, o entusiasmava. Os conselhos vinham constantes e insistentes: “Você tem jeito ! Porque não tenta carreira artística ?”.

Mas ele hesitava. Na realidade, os cinco anos de piano clássico, ministrados pela professora particular – e nem por isso menos enérgica e categórica na exigência dos exercícios – despertara sonhos artísticos. “Tocar sim, mas ser profissional, não!” Essa frase era ouvida por todos que o incentivavam a iniciar uma carreira.

Em 1952, porém, Dick Farney, para nossa pletórica alegria, venceu e conseguiu que seus conselhos fossem ouvidos. O radialista, César De Alencar abriria uma cantina, a “Cantina do César” na rua Rodolfo Dantas, em Copacabana. E a esperada frequência de toda equipe da Rádio Nacional. Faltava, contudo, o principal. Um anúncio pedindo um pianista fora em vão. Parecia não existir ninguém apto àquele cargo. Dick e Nora Ney (já famosos) sugeriram, então, um nome desconhecido. Logo, o teste foi marcado e na terceira música ouvia-se o aliviado veredicto: “Já está aprovado!” Gratificantes recordações, sem dúvida.

A versatilidade musical clássico-popular era de fácil explicação. Ao lado de Debussy e Clair De Lune, Johnny ouvia jazz desde que se entendia por gente. Aos nove anos, o programa de Arnaldo Amaral, a rádio Cruzeiro Do Sul e, principalmente, o Hit Parade delineavam um mundo novo, onde Frank Sinatra, Billie Holiday, Dina Shore, eram apresentados aos Brasileiros e “ele já estava ligado”.

Ouvinte de fio a pavio, da rádio nacional, o rosto colado ao rádio e os sucessos das irmãs Batista, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Nélson Gonçalves, eram um hobby com características fortes, marcantes e, no mínimo, envolventes. Estava salvo, portanto, o repertório da “Cantina Do César”.

Emocionalmente, porém, o sucesso profissional não foi tão exitosa e a contratação seguiu-se um inesperado fora de casa. A solução foi lançar-se, em definitivo, na carreira artística. As boates, o campo escolhido. Johnny largou tudo para ser músico. Encarou essa carreira não só na questão musical mas, também, na questão pessoal. Tudo que compensa a parte artística como cinema, pintura e, acima de tudo, amizades, ele explorava. Servia-lhe de inspiração. Ao mesmo tempo esta circunstância assume o papel de elemento vitalizador de sua obra. A saída de casa lhe causou um grande trauma. Trabalhando à noite e sentindo as pessoas, conseguiu superar o problema.

Burlando a Vigilância.
Mais ainda. A boate. Seu público se ampliava decisivamente, motivado e exigindo um profundo trabalho de pesquisas. A tal ponto em que Johnny interrompeu suas apresentações e, durante quase um ano, dedicou-se exclusivamente a um elaborado e minucioso estudo sobre música erudita popular. Comentava à um amigos que havia algo dentro dele que pedia a pesquisa. Para ele, estar “estacionado” era a pior coisa do mundo. Aprendeu repertório da música pop à música clássica. Tinha uma predileção especial pelo grupo “Yes” por suas letras. Comprava e reunia registros, partituras e muitos álbuns, como do “Chicago”, por exemplo. Lia muito também. Herman Hesse, Aldous Huxley, Simone De Beauvior. O estudo foi lhe fazendo andar com o tempo. Durante esse trabalho, fazia tudo com muita vontade e, logicamente, sentindo uma influência direta. As músicas eram consequência disso tudo. Foi então que ele caiu na real de que boate não dava. O público queria ouvir música conhecida e não música nova.

Mas a fidelidade ao público noturno é grande. E o próprio passado impele a isso. Uma verdadeira “Via Crucis”, como ele mesmo classificou, seguiu-se, à Cantina. O Montecarlo, tocando com Fafá Lemos, o Mandarim e o Clube Da Chave, reduto de Vinícius de Moraes e do meio artístico, o levaram ao “Drink”, ao lado do “Bola Sete” e “Dora Lopes”.

Finalmente, em 1952 , Johnny é contratado como atração na boate Plaza, em Copacabana, onde um público especial seduzido pelo seu trabalho iria burlar a vigilância do juizado de menores. Silvinha Telles, Roberto Menescal, Luiz Carlos Vinhas, Carlinhos Lyra e Mauricio Eihorn eram figuras obrigatórias. Noite-a-noite, Johnny também foi uma importante abertura para eles e proporcionou um incentivo, talvez pelo medo que tivessem de apresentarem seus trabalhos. Mas foi apenas quando Johnny se me mudou para São Paulo que eclodiu no Rio.

Uma interrogação, no entanto, persiste até hoje. Muitos nomes tornaram-se céleres e muito conhecidos. Vários discos e encontros musicais foram gravados. A Elenco, gravadora especializada em Bossa Nova, foi fundada.

E a presença de Johnny Alf!? Quando se mudou para São Paulo, começou a desenvolver uma pesquisa em relação ao seu próprio público, totalmente desligado do movimento. Só era chamado para shows importantes. Então se tornou claro que o movimento toma uma certa trajetória. Johnny costumava dizer ” Eu não estava a fim de funcionar em grupo e que sempre foi muito livre de esquemas para fazer música. E o movimento era um negócio meio esquematizado.”
Mais uma vez, portanto, a persistência, a fidelidade e o idealismo de Johnny Alf foi se aperfeiçoando. Cantava músicas brasileiras e de sua própria autoria, além da música americana. Seu trabalho se desenvolveu a parte e se afastou totalmente da Bossa Nova. Começou um trabalho próprio e foi em frente.

Eu E A Brisa
Exatamente esta é também a sua explicação para a exiguidade de gravações. O Primeiro disco em 1956, um 78 RPM, (Rapaz de Bem) produzia inesperadas surpresas para o meio musical. O público no entanto, despreparado para novas harmonizações e vocais, não soube avaliar a importância do seu trabalho. E a gravadora, numa atitude esperada, insistia em composições “comerciais” para os próximos discos.

Em 1961, após cinco explicáveis anos, o primeiro LP “Rapaz de Bem”, apresenta a mesma unidade e esmerados arranjos musicais. Mas o sucesso comercial não aconteceu e a pressão das gravadoras aumentou. Consequentemente, novas gravações espaçadas aconteciam.

“Se os outros fazem um trabalho comercial, deixem que eu faça o meu. E pensando assim, eu tenho dado sorte. O meu primeiro disco por exemplo, o pessoal tá todo a fim. Mas certas coisas interessantes acontecem. No meu disco (Nós – 1974) teve gente que gostou. Era o pessoal de boate. E teve gente que não aceitou. Era o público dos meus discos”

A fama de exigente ele, tranquilamente, nunca negou. E mais ainda, o arranjo devia recriar na íntegra o clima da música. O que quando não é feito por ele dependia da sua própria escolha. Geralmente alguém com as exigências mínimas de um prévio conhecimento. Neste quadro, sintomáticas mudanças aconteceram. A primeira, “Eu E A Brisa”. A partir daí, o interesse das boates se multiplica infinitamente.

Os donos de boates o viam como: “Johnny Eu E A Brisa”. Se tivesse cobrado 100,00 Cruzados por cada vez que cantou essa música, teria sido milionário. Numa noite trabalhando, das 11:00 às 04:00 da manhã, costumava canta-la pelo menos 3 vezes. Mas não parou em ” Eu E A Brisa” e isso provou no disco “Rapaz de Bem”. Por dois ou três anos escrevia textos para teatro, além das músicas que levou ao MAM, no Rio de Janeiro, e no Municipal de São Paulo em de 1977 a 1978.

Os saudosos e animados ensaios na casa de Alaíde Costa retratam um compositor, instrumentista e cantor marcado pelo entusiasmo e pela imensa vontade de um encontro com seu público.

Inegável Johnny Alf, Um Rapaz de bem!

Você bem sabe, eu sou rapaz de bem
A minha onda é no vai e, vem
Pois com as pessoas que eu bem tratar, eu qualquer dia posso me arrumar, vê se Mora !

Júnior Santos